Three Mile Island — O Acidente Nuclear que Abalou a Indústria dos EUA

Em 28 de março de 1979, uma falha em uma bomba de resfriamento desencadeou o pior acidente nuclear da história dos Estados Unidos. O episódio expôs fragilidades técnicas, erros humanos e lacunas de comunicação em um sistema que deveria prezar pela segurança máxima. Este estudo de caso revisita os eventos críticos, os impactos e os aprendizados duramente conquistados após o colapso parcial do reator da usina de Three Mile Island, na Pensilvânia.

ESTUDO DE CASO

4/30/20255 min read

Em 28 de março de 1979, ocorreu o mais grave acidente nuclear da história dos Estados Unidos: o incidente da usina de Three Mile Island, localizada no estado da Pensilvânia. Este episódio marcou profundamente a percepção pública sobre a energia nuclear, gerou debates internacionais e influenciou a regulamentação da indústria por décadas. Embora não tenha causado mortes imediatas, o acidente expôs falhas técnicas, humanas e organizacionais que tornaram o caso emblemático no campo da segurança nuclear.

A usina de Three Mile Island possuía dois reatores de água pressurizada, sendo o Reator 2 (TMI-2) o envolvido no acidente. Às quatro horas da manhã daquele dia, uma falha na bomba de alimentação de água impediu a circulação adequada de água no sistema. A água era essencial para o resfriamento do núcleo do reator, que havia acabado de ser desligado automaticamente em resposta à anomalia. Quando a bomba falhou, a pressão interna do reator começou a subir rapidamente, o que levou à abertura da válvula de alívio de pressão.

Essa válvula, chamada de PORV (Pilot Operated Relief Valve), deveria ter fechado automaticamente após a queda da pressão a níveis normais. No entanto, ela travou parcialmente aberta, permitindo o vazamento contínuo de grandes volumes de água e vapor. Ao todo, aproximadamente 114 mil litros de fluido refrigerante escaparam do sistema. Esse vazamento resultou no superaquecimento do núcleo e, eventualmente, no seu derretimento parcial, uma condição tecnicamente conhecida como "meltdown".

O problema se agravou devido à confusão enfrentada pelos operadores da sala de controle. A instrumentação disponível fornecia dados contraditórios e não havia um indicador direto do nível de água ao redor do núcleo. Em vez disso, os operadores precisavam interpretar dados de pressão e temperatura, o que levou a conclusões equivocadas. Eles acreditavam que o núcleo ainda estava coberto por água, quando, na verdade, grande parte da água já havia sido perdida.

Outro agravante foi a falta de um alarme específico que indicasse a posição real da válvula de alívio. Assim, os operadores não perceberam que ela permanecia aberta. Foi apenas duas horas após o início do evento que um operador sênior, vindo da sala de controle do Reator 1, compreendeu corretamente o que estava ocorrendo e alertou a equipe. No entanto, até esse momento, os danos já eram significativos.

Enquanto a situação se desenrolava dentro da usina, a comunidade ao redor permanecia sem informação clara. No primeiro dia, a população não foi evacuada, mesmo com a declaração de estado de emergência. Foi apenas no segundo dia que o governador da Pensilvânia autorizou a retirada de moradores em um raio de até dois quilômetros, priorizando mulheres grávidas e crianças.

A falta de comunicação efetiva com o público e a ausência de medidas preventivas imediatas aumentaram a desconfiança da população e intensificaram o medo coletivo. Quando ecologistas independentes realizaram medições e detectaram níveis de radiação oito vezes superiores ao considerado letal, a insegurança tomou proporções ainda maiores. A estimativa era de que até 16 quilômetros ao redor da usina haviam sido contaminados.

Apesar do pânico gerado, os relatórios oficiais indicaram que ninguém morreu em decorrência direta da radiação liberada e que os efeitos à saúde da população local foram limitados. No entanto, os impactos psicológicos e sociais foram profundos. Muitos habitantes passaram a conviver com medo constante de doenças futuras e sentiram-se desamparados pelas autoridades.

A crise em Three Mile Island se estendeu por anos. A retirada do combustível do Reator 2 começou apenas em 1980 e foi concluída apenas em 1993. O reator nunca mais foi reativado. Já o Reator 1 foi desligado preventivamente por vários anos, retomando operações em 1985. No entanto, o acidente comprometeu permanentemente a confiança pública na instalação. Em 2017, foi anunciado que a usina seria fechada em 2019, principalmente por causa dos altos custos de manutenção e da crescente competição com outras fontes de energia.

No cenário internacional, o acidente de Three Mile Island teve reflexos significativos. Países que planejavam investir em energia nuclear passaram a rever seus projetos, aumentar os requisitos de segurança e reforçar os protocolos de resposta a emergências. A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) e diversas comissões nacionais implementaram novos padrões de segurança baseados nas lições aprendidas com o caso.

Nos Estados Unidos, a Comissão Reguladora Nuclear (NRC) foi profundamente criticada por sua atuação antes e durante o incidente. Como resposta, foram introduzidas mudanças nas exigências de design de reatores, treinamento de operadores e sistemas de monitoramento. Os operadores passaram a ser obrigados a treinar em simuladores realistas, e os instrumentos de controle foram reformulados para proporcionar leituras mais claras e diretas.

Além disso, o caso gerou um debate social sobre a transparência das instituições e a necessidade de informar o público de forma rápida e clara em situações de risco. A experiência de Three Mile Island demonstrou que não basta ter tecnologia avançada — é essencial que os processos de decisão, comunicação e coordenação entre os diversos níveis da organização e do governo estejam preparados para enfrentar crises.

O acidente também evidenciou como erros humanos, somados a falhas técnicas e deficiências organizacionais, podem se transformar em catástrofes mesmo sem intenção ou negligência deliberada. Operadores bem treinados, mas sem acesso à informação completa, tomaram decisões baseadas em premissas equivocadas. Sistemas automatizados projetados para proteger o reator falharam parcialmente. A resposta institucional foi lenta e hesitante. Cada um desses fatores, isoladamente, poderia ter sido contornado. Juntos, culminaram no maior desastre nuclear da história norte-americana.

Em retrospecto, o caso de Three Mile Island não apenas mudou os rumos da energia nuclear no país, mas também contribuiu para o desenvolvimento de uma cultura global de segurança nuclear mais robusta. Ele ensinou que a prevenção depende tanto de tecnologia quanto de organização, treinamento e ética profissional. Ao mesmo tempo, serviu como alerta de que os riscos associados à energia nuclear devem ser constantemente avaliados à luz de novos conhecimentos, tecnologias e experiências.

Hoje, mesmo com o fechamento da usina de Three Mile Island, seu legado permanece vivo nos cursos de engenharia, nas normas regulatórias e na memória coletiva. Mais do que um episódio isolado, o acidente representa um marco na história das tecnologias de alto risco — uma lição sobre os limites da confiança cega na técnica e sobre a importância da responsabilidade compartilhada entre cientistas, gestores, políticos e cidadãos.