A Roda de Nertney: Um Modelo Simples para Construir Ambientes de Trabalho Seguros
Você já parou para pensar no que realmente garante a segurança no ambiente de trabalho? Mais do que equipamentos modernos ou regras rígidas, a resposta pode estar na harmonia entre pessoas, processos, ferramentas e contexto. Descubra como a Roda de Nertney pode transformar a maneira como enxergamos a prevenção de acidentes e a cultura de segurança nas empresas.
SEGURANÇA DO TRABALHO
Garantir um ambiente de trabalho seguro vai muito além da instalação de EPIs ou da sinalização correta das áreas de risco. A segurança real é construída quando conseguimos integrar de forma equilibrada diversos elementos fundamentais. Um modelo que ajuda a visualizar essa integração é a chamada Roda de Nertney, desenvolvida em 1976 por Bob Nertney, funcionário da empresa norte-americana EG&G Inc. Preocupado com os fatores que afetam diretamente a segurança dos trabalhadores, Nertney criou um esquema simples, porém poderoso, que representa os principais pilares necessários para alcançar a chamada "produção segura".
Este artigo apresenta os componentes da Roda de Nertney, suas conexões com a legislação trabalhista e os princípios da engenharia de segurança, e como essa ferramenta pode ser aplicada para prevenir acidentes, evitar doenças ocupacionais e promover uma cultura sólida de saúde e segurança no trabalho.
O que é a Roda de Nertney?
A Roda de Nertney é uma representação gráfica em forma de círculo que reúne quatro elementos fundamentais para a obtenção de um resultado desejado — no caso mais comum, a produção segura. Essa produção segura é representada no centro da roda, como o objetivo a ser alcançado. Em torno dela, estão os elementos que sustentam esse objetivo:
Ambiente de trabalho controlado
Pessoas competentes
Equipamentos adequados à finalidade
Práticas de trabalho seguras
Cada um desses elementos representa um aspecto essencial da gestão de segurança e saúde no trabalho (SST). Vamos entender melhor cada um deles.
Ambiente de trabalho controlado
Esse é o primeiro componente da roda e diz respeito à higiene ocupacional. Está diretamente relacionado aos agentes de risco descritos na NR-15, como ruído, radiação, vibração, calor, frio, agentes químicos e biológicos, entre outros.
Um ambiente de trabalho controlado é aquele onde os riscos foram identificados, monitorados e neutralizados ou, ao menos, reduzidos a níveis aceitáveis. Isso exige avaliação constante e medidas corretivas rápidas, com base em dados técnicos e legislações vigentes. Um ambiente inóspito ou negligente compromete toda a estrutura da roda e, consequentemente, a segurança das pessoas.
Pessoas competentes
Não basta que o ambiente esteja em ordem: é fundamental que os trabalhadores estejam capacitados, treinados e conscientes do que fazem. A competência envolve tanto o domínio técnico quanto o comportamento humano.
É aqui que entra o estudo dos erros humanos, que podem ser por distração, desconhecimento, excesso de confiança ou até mesmo por falhas no processo de comunicação. Um bom treinamento vai além da instrução: deve ser recorrente, acessível e adaptado à realidade da equipe. Pessoas bem preparadas reagem melhor em situações adversas e evitam que pequenas falhas se transformem em grandes tragédias.
Equipamento adequado à finalidade
A chamada engenharia de fatores humanos também é contemplada na roda de Nertney. Equipamentos precisam estar não apenas em bom estado, mas adaptados à capacidade e ao perfil do trabalhador. Um botão mal posicionado ou uma alavanca pouco intuitiva pode induzir ao erro, mesmo em operadores experientes.
Esse ponto exige diálogo entre os setores de engenharia, produção e segurança. As máquinas devem ser pensadas para evitar erros de operação, facilitar a manutenção e minimizar riscos mesmo em casos de falha. Equipamentos que não conversam com o operador representam risco — e quebra do equilíbrio da roda.
Práticas de trabalho seguras
Por fim, temos os procedimentos. Eles precisam ser claros, didáticos, acessíveis e aplicáveis. Procedimentos que são bonitos no papel, mas ignorados na prática, não têm valor real.
A organização deve investir tempo na criação de documentações úteis, que realmente façam parte da rotina dos trabalhadores. Isso inclui não só a criação, mas também a capacitação sobre como seguir os procedimentos e uma cultura que valorize o cumprimento deles, sem penalizações excessivas ou culpa. A segurança deve ser construída em conjunto, e não imposta de forma punitiva.
Produção segura como consequência
Nertney defende que, quando esses quatro elementos estão bem estruturados e integrados a uma gestão organizacional eficaz, o resultado inevitável é a produção segura. Em outras palavras, a segurança não é um “item à parte” da produção, mas parte intrínseca dela. A roda gira de forma fluida quando cada peça está em seu devido lugar e funcionando bem.
A importância da investigação de acidentes
Independente da ferramenta utilizada para prevenção, é importante lembrar que todo acidente deve ser analisado com profundidade. O papel do engenheiro de segurança do trabalho é investigar o encontro entre uma condição perigosa e uma exposição humana.
Mais do que apontar culpados, é necessário identificar:
Quais condições pré-existiam no ambiente?
Que fatores permitiram que essa condição se materializasse em um acidente?
Que ações ou omissões contribuíram para o desfecho?
Segundo Asfahl (2005), cada evento indesejado é uma fonte valiosa de dados para prevenção. A análise das causas deve ser acompanhada da disseminação dessas informações, para que toda a equipe possa aprender com o ocorrido e prevenir novas ocorrências.
Aprendizado e melhoria contínua: o ciclo do acidente
Krause (1995) propõe o chamado ciclo do acidente, composto por cinco etapas:
Aumento das taxas de acidente leva à mobilização da empresa;
Adoção de controles e políticas de SST;
Melhoria do desempenho em SST;
Desvio de atenção e recursos para outras áreas, após estabilização dos índices;
Retorno do aumento de acidentes, por conta da perda de foco em SST.
Esse ciclo mostra que a segurança deve ser permanente e vigilante. Não se trata de um projeto com começo, meio e fim, mas de um compromisso constante. Atingir boas taxas não significa que o trabalho acabou — pelo contrário, significa que a base está pronta para ser mantida com consistência.
A armadilha de culpar a vítima
Por fim, vale destacar uma das questões éticas mais importantes da engenharia de segurança: nunca iniciar uma investigação partindo da culpa do trabalhador.
Imprudência, imperícia e negligência podem existir, mas são raramente a única causa de um acidente. Focar na culpa individual é uma forma de desviar o foco da responsabilidade institucional, além de dificultar o aprendizado coletivo.
A segurança deve ser encarada como um sistema, e não como um conjunto de decisões individuais. Quando há um acidente, a pergunta central deve ser: o que no sistema permitiu que isso acontecesse?
A Roda de Nertney é uma ferramenta visual simples, mas extremamente eficaz para compreender os pilares de um ambiente de trabalho seguro. Seu valor está na integração dos elementos — ambiente, pessoas, equipamentos e práticas — sob uma gestão coerente, contínua e ética.
Ela nos lembra que a segurança não é um resultado do acaso, mas da intencionalidade em cada escolha, da formação dos profissionais à forma como se projetam as máquinas, da clareza dos procedimentos ao controle dos agentes ambientais.
Empresas que desejam construir uma cultura de segurança sólida precisam manter a roda girando — sempre.

