Entendendo os Conceitos e Termos em SST: O Que Realmente Significam Perigo, Risco e Condição Perigosa?
Em um universo repleto de normas, siglas e interpretações divergentes, você sabe realmente o que significam os termos "perigo", "risco" e "condição perigosa" na Saúde e Segurança do Trabalho (SST)? Este artigo de mais de 2000 palavras explora em profundidade a terminologia essencial para profissionais da área, com base em normas nacionais e internacionais, e oferece caminhos para evitar confusões e garantir comunicação eficaz.
SEGURANÇA DO TRABALHO


Em ambientes corporativos e industriais, a saúde e a segurança do trabalho (SST) desempenham um papel essencial para a preservação da vida e do bem-estar dos colaboradores. Porém, mesmo entre profissionais da área, a interpretação dos termos fundamentais pode gerar confusão. Afinal, o que é perigo? O que é risco? E o que significa exatamente uma condição perigosa?
A resposta, como veremos, não é tão simples. O Brasil, como diversos outros países, sofre com traduções mal adaptadas e com a falta de padronização entre normas nacionais e internacionais. Este artigo se propõe a esclarecer essas diferenças, apontar caminhos para comunicação mais clara e assertiva na SST, e promover uma compreensão mais profunda sobre os conceitos que moldam a gestão de riscos no ambiente laboral.
Uma Breve Introdução à Confusão Terminológica
De acordo com Eston et al. (2010), no Brasil os termos "perigo" e "risco" têm sido usados de forma confusa, muitas vezes sem correspondência clara com os conceitos originais em inglês. A palavra "hazard" em inglês, frequentemente traduzida por "perigo", na verdade carrega um significado mais próximo de "condição perigosa".
Essa distorção começou em traduções voltadas para a área ambiental e, gradualmente, se alastrou para os campos da higiene ocupacional e da segurança do trabalho. O resultado disso é que perdemos, muitas vezes, a relação essencial entre exposição, dose e dano.
As NRs e a Dissonância Conceitual
Exemplos de divergências podem ser observados em diversas Normas Regulamentadoras (NRs):
NR-10 (Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade): Utiliza expressões como "risco de contato" e "perigo de choque elétrico", mas não define de forma clara o que significa cada termo.
NR-09 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais): Fala em "identificação de riscos" quando, na verdade, riscos não se identificam. O que se identifica são as condições perigosas, que podem vir a provocar danos quando ocorre exposição.
Além disso, documentos como as "Diretrizes sobre Sistemas de Gestão de SST" da OIT abordam os conceitos de maneira misturada, tratando a "supressão do perigo/risco" como se fossem sinônimos. Contudo, perigo e risco são conceitos diferentes e devem ser tratados assim.
Um Dicionário para Melhor Comunicação
Diante de tamanha confusão, propõe-se a adoção de uma terminologia mais estruturada dentro da disciplina. O uso claro de termos como "condição perigosa", "perigo" e "risco" pode melhorar a comunicação entre profissionais e facilitar o entendimento múltiplo nas organizações.
Mas e quando a empresa busca uma certificação como a ISO 45001:2018? Aí entra a máxima: "deve-se dançar conforme a música". Se o objetivo é certificar, o mais prático é adotar a nomenclatura da própria norma, evitando conflitos com auditores. Por outro lado, se a organização pretende montar um sistema de gestão apenas para uso interno, é livre para adotar o vocabulário mais apropriado à sua realidade.
O Caso da Água Sanitária: Um Exemplo Prático
Para entender na prática os conceitos de condição perigosa, perigo e risco, vamos usar como exemplo a água sanitária com cloro.
Independente de estar armazenada corretamente ou isolada, essa substância carrega propriedades químicas que podem provocar danos. Portanto, ela é, por si só, uma condição perigosa.
Agora imagine que uma criança peque a embalagem dessa água sanitária. Neste caso, temos exposição à condição perigosa, ou seja, temos um perigo.
E quando se avalia a probabilidade de a criança ingerir o produto e a consequência (intoxicação, por exemplo), estamos lidando com o conceito de risco. Portanto:
Condição perigosa: o produto em si.
Perigo: a criança estar exposta.
Risco: a estimativa de que ela possa ingerir e as consequências disso.
A Importância da Identificação Adequada
A identificação de condições perigosas não exige alta tecnologia, mas sim o conhecimento adequado. Essa identificação não deve ser realizada isoladamente. Ela exige a participação de:
Executores da atividade;
Supervisores;
Especialistas em segurança ou higiene ocupacional.
Cada um desses atores tem uma perspectiva que complementa a compreensão sobre os perigos potenciais do ambiente estudado.
Análise de Riscos em Dois Estágios
Uma vez identificadas as condições perigosas, parte-se para a análise de riscos:
Avalia-se a probabilidade de a interação entre pessoa e condição perigosa gerar um evento indesejado;
Avalia-se a severidade da consequência caso o evento ocorra.
Esse método ajuda a priorizar as situações mais críticas e, assim, orientar as ações preventivas e corretivas.
A Energia Como Elemento de Identificação
Uma ferramenta útil para identificar condições perigosas é pensar nas formas de energia presentes no ambiente de trabalho:
Energia elétrica;
Energia térmica;
Energia biológica;
Energia química;
Energia cinética;
A simples presença ou potência dessas formas de energia pode ser um indicativo de uma condição perigosa.
O Papel da Cultura Organizacional
Empresas que conseguem incorporar esses conceitos ao seu cotidiano têm melhores resultados em SST. Isso envolve capacitação, abertura ao diálogo e valorização do conhecimento coletivo.
Muitas vezes, a dificuldade das organizações em identificar as condições perigosas e estimar riscos decorre do desconhecimento profundo sobre os sistemas, processos e tarefas. Quando esse conhecimento está ausente, as medidas adotadas são apenas paliativas.
Documentários que Ilustram o Conceito de Condição Perigosa
Para expandir essa compreensão, vale a pena conferir documentários que abordam condições perigosas fora do âmbito industrial:
Muito Além do Peso (Brasil, 2012): Discute a obesidade infantil e como determinados alimentos representam condições perigosas para a saúde.
That Sugar Film (Austrália, 2014): Trata da exposição ao açúcar em dietas aparentemente saudáveis.
Fed Up (EUA, 2014): Enfoca o papel da indústria alimentícia na epidemia global de obesidade.
Esses filmes ajudam a entender como uma condição aparentemente comum pode, quando associada à exposição, configurar um perigo real.
A Hierarquia de Controles
Depois de estimar os riscos, é fundamental determinar os controles mais adequados. A hierarquia de controles é um modelo que ajuda a priorizar medidas mais eficazes:
Eliminação do perigo
Substituição por algo menos perigoso
Controles de engenharia
Controles administrativos
Equipamentos de Proteção Individual (EPI)
Quanto mais alto o nível do controle na hierarquia, mais eficaz ele tende a ser.
Risco não se identifica, se estima. Perigo não é sinônimo de condição perigosa. E a segurança só se efetiva quando esses conceitos são bem compreendidos, discutidos e incorporados na prática das organizações.
A clareza terminológica, longe de ser apenas um detalhe técnico, é a base de qualquer gestão de SST sólida e efetiva. Portanto, ao planejar, executar e avaliar qualquer programa de segurança do trabalho, comece pela linguagem. Ela é o primeiro passo para construir um ambiente verdadeiramente seguro.