Prevenção é Estratégia: A História do Prevencionismo e a Construção de Ambientes de Trabalho Mais Seguros

Muito antes da palavra "segurança" ganhar protagonismo nas práticas organizacionais, a indústria operava sob o paradigma do reparo, e não da prevenção. Este artigo resgata a origem e a evolução do prevencionismo, destacando como a compreensão dos riscos e a atuação preventiva transformaram a forma como cuidamos da saúde, da vida e do patrimônio nas empresas.

SEGURANÇA DO TRABALHO

5/5/20255 min read

man standing under scaffoldings
man standing under scaffoldings

Voltar os olhos para a história do prevencionismo é também compreender a transformação dos valores da sociedade industrial. Durante a Revolução Industrial, que marcou o início da mecanização dos processos produtivos e a migração em massa da mão de obra para os grandes centros urbanos, não havia qualquer preocupação sistematizada com a saúde e a integridade dos trabalhadores. O foco era exclusivamente a produtividade, e as condições de trabalho, em sua maioria insalubres, apenas recebiam atenção quando resultavam em perdas humanas ou materiais significativas.

Foi apenas no século XX, por volta do ano de 1926, que uma nova perspectiva começou a surgir. O norte-americano Herbert William Heinrich, atuando em uma seguradora, percebeu que os custos envolvidos na reparação de acidentes eram exorbitantes. Com isso, passou a estudar aproximadamente 75 mil casos de acidentes de trabalho, o que deu origem à célebre Pirâmide de Heinrich – uma representação gráfica que estabelece uma relação entre incidentes, acidentes leves e acidentes graves.

Figura 1 – Pirâmide de Heinrich

Segundo a análise de Heinrich, 88% das causas dos acidentes estavam ligadas aos chamados “atos inseguros”, ou seja, comportamentos inadequados dos próprios trabalhadores. Outros 10% se deviam às “condições inseguras”, como falhas em equipamentos, estrutura física deficiente, ou falta de sinalização adequada. Os 2% restantes eram atribuídos a causas imprevisíveis, como desastres naturais (terremotos, tempestades intensas, entre outros).

A grande sacada de Heinrich foi mostrar que os acidentes graves estão sempre relacionados a uma base muito maior de pequenos incidentes e comportamentos de risco. Portanto, ao reduzir a frequência dos eventos menores, automaticamente se reduz a probabilidade dos eventos mais severos. Esse conceito passou a fundamentar as políticas de prevenção modernas.

A Expansão da Prevenção: de Bird ao Controle Total de Perdas

Mais tarde, em 1966, outro especialista norte-americano, Frank Bird Jr., deu um passo além. Para ele, os acidentes não causavam apenas danos aos trabalhadores – mas também às instalações, equipamentos, insumos e à própria continuidade operacional das empresas. Assim, ele introduziu o conceito de Loss Control (Controle de Perdas), propondo uma abordagem mais ampla da segurança.

Bird também propôs uma pirâmide, semelhante à de Heinrich, mas com foco ampliado para os impactos financeiros e operacionais dos incidentes. O raciocínio era simples: evitar perdas era uma forma de proteger o capital e assegurar a produtividade, algo que tocava diretamente no interesse das corporações.

Figura 2 – Pirâmide de Bird

Poucos anos depois, em 1970, o canadense John Fletcher elevou ainda mais o conceito, ao propor o Total Loss Control (Controle Total de Perdas). A proposta de Fletcher incluía não apenas a saúde e a segurança ocupacional, mas também a proteção ambiental, a segurança patrimonial e a segurança do produto final.

Com isso, o escopo da prevenção deixou de ser apenas uma questão de evitar acidentes e passou a ser uma estratégia de gestão integrada. As empresas passaram a compreender que investir em prevenção é uma forma de economizar recursos, proteger a imagem institucional, atender à legislação e, acima de tudo, garantir a vida das pessoas.

Figura 3 – Pirâmide de Fletcher

A Importância da Base da Pirâmide

Apesar das diferentes nomenclaturas e proporções apresentadas por Heinrich, Bird e Fletcher, todas as pirâmides têm algo em comum: a ênfase na base. É nela que estão os eventos menores – aqueles que, à primeira vista, podem parecer inofensivos, mas que indicam uma falha no sistema de segurança.

Ignorar essa base é o mesmo que permitir o crescimento de um problema que, inevitavelmente, se tornará mais sério.

Assim, o foco da atuação em segurança do trabalho deve estar nos pequenos desvios, nos comportamentos inseguros, nas condições de risco sutis, nas falhas de comunicação e nas omissões rotineiras. Quando essas manifestações são monitoradas e corrigidas em tempo, evita-se o desencadeamento de eventos mais graves – como uma fatalidade ou uma perda material significativa.

Prevenção como Pilar de Sustentabilidade

A proposta de Controle Total de Perdas também está diretamente ligada ao conceito de sustentabilidade nas organizações. Em um mercado cada vez mais competitivo, não basta produzir em larga escala: é necessário fazê-lo de forma segura, limpa, ética e responsável.

Isso significa que as empresas precisam implementar sistemas de gestão robustos, capazes de antecipar os riscos, agir preventivamente e promover uma cultura de melhoria contínua. Sistemas como o SGI (Sistema de Gestão Integrado) ou normas como a ISO 45001 (Saúde e Segurança Ocupacional) vêm ganhando espaço nesse cenário.

Essa nova mentalidade empresarial busca alinhar os resultados financeiros com o cuidado com as pessoas e o planeta. Afinal, não há competitividade sustentável sem segurança.

Mas, afinal, o que é prevenção?

No contexto da engenharia de segurança do trabalho, prevenção pode ser definida como qualquer ação planejada e executada com o objetivo de eliminar, reduzir ou controlar riscos, impedindo que esses riscos resultem em doenças, acidentes ou mortes.

Essa ação pode assumir várias formas:

  • Adoção de equipamentos de proteção coletiva (EPC);

  • Utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI);

  • Sinalização adequada de áreas de risco;

  • Manutenção preventiva de máquinas e instalações;

  • Capacitação contínua dos trabalhadores;

  • Criação de comitês de segurança;

  • Simulações e treinamentos periódicos;

  • Revisão constante dos procedimentos operacionais.

No entanto, o grau de eficácia de cada medida preventiva varia, e uma boa política de prevenção deve priorizar as estratégias que atuam automaticamente, sem depender da ação voluntária do indivíduo.

Por exemplo, uma proteção física instalada em uma máquina é mais eficaz do que confiar apenas no uso de EPI por parte do operador. Isso porque o comportamento humano é influenciado por inúmeros fatores – cansaço, pressa, desatenção, pressão por produtividade – que podem levar a falhas.

Prevenir é Poupar Vidas e Recursos

Além dos impactos humanos e legais que um acidente de trabalho pode gerar, há também custos invisíveis que muitas vezes passam despercebidos pelas empresas. Um acidente pode significar:

  • Interrupção da produção;

  • Perda de mão de obra especializada;

  • Multas e processos judiciais;

  • Indenizações e custos médicos;

  • Danos à reputação da empresa;

  • Diminuição da moral e motivação das equipes.

Por outro lado, investir em prevenção é investir em estabilidade operacional, confiança dos clientes, bem-estar dos funcionários e longevidade institucional.

A história do prevencionismo mostra que a prevenção é mais do que uma obrigação legal: é uma estratégia inteligente de gestão. De Heinrich a Fletcher, o que se consolidou foi a ideia de que a segurança é construída de baixo para cima, corrigindo o que parece pequeno para evitar grandes tragédias.

No cenário atual, onde produtividade e responsabilidade social caminham juntas, a prevenção é um diferencial competitivo. Empresas que incorporam a cultura da segurança não apenas evitam perdas – elas constroem confiança, solidez e propósito.

O futuro da prevenção depende de como enfrentamos os riscos hoje. E a base dessa construção começa em cada atitude, cada inspeção, cada escolha consciente. Porque, no fim das contas, prevenir é cuidar. E cuidar é construir.